“Fique em casa”. Esse é o slogan que tem regido nossa vida no último ano, uma palavra de ordem que nos fez ressignificar a casa como refúgio, como abrigo, como proteção. Nessa nova condição instaurada, muito se tem discutido sobre o importante papel da arquitetura e do design de interiores para a promoção do bem-estar físico e mental dos seus ocupantes.
Voltamos nossos olhos e nossos esforços para inúmeras estratégias espaciais – das mais elaboradas às mais simples – que nos prometiam devolver a vocação de refúgio aos nossos lares. Em meio a essa busca, e apesar de estarmos vivendo na era mais tecnológica de todos os tempos, curiosamente, voltamos nossa atenção ao mais elementar, como um retorno às origens.
Mesmo cercados por concreto e asfalto por todos os lados, nos animamos com a ideia de um reencontro com a natureza trazendo elementos que reforçam também a polifonia dos sentidos, entendendo a arquitetura como uma reconciliação com mundo por meio da mediação feita pelos sentidos. Nesse retorno às origens, apresentaremos aqui exemplos de projetos que utilizam os quatro elementos naturais – fogo, água, terra e ar –, como dispositivos fundamentais para proporcionar o bem-estar os usuários.
A teoria dos quatro elementos vem da Grécia antiga, quando Aristóteles afirmou que acreditava que tudo o que existia no universo seria composto por esses quatro elementos. Para além das aplicações filosóficas, mitológicas ou religiosas, quando aplicados à arquitetura eles nos auxiliam a resgatar as raízes em um olhar sensível e simbólico para as relações entre o ser humano e a natureza, com valores e significados gerados pelas experiências multissensoriais que acontecem no espaço.
Confira, a seguir, alguns projetos onde os quatro elementos da natureza são aplicados.
Fogo
Sentir o rosto enrubescer com calor do fogo enquanto se ouve antigas histórias entrecortadas pelo estalo da lenha queimando faz parte das lembranças de muitas pessoas. Gottfried Semper (1989), a respeito dos elementos que constituem a arquitetura, nomeia como fogo o atrativo de um local que instiga a visita e a permanência. Afinal, era ao redor do fogo que ocorriam as comemorações das vitórias em batalhas e a realização de cultos. Por quase 2 milhões de anos nos reunimos diante do fogo e, por isso, até hoje ele representa um lugar de encontro e comunhão.
No Refúgio Lieptgas o fogo é um dos elementos que compõem a experiência fenomenológica dessa cabana no meio da neve. Construído como uma petrificação da estrutura abandonada no mesmo lugar, este refúgio cria um peculiar espaço junto ao fogo iluminado pela abertura zenital milimetricamente posicionada.
Se no Liptgas a experiência é intimista e individualizada, no Pavilhão Midden Garden a relação com o fogo se dá em um espaço projetado para reuniões e encontros, assim como no B Garden. Já no Hotel Plesnik, na paisagem fria da Eslovênia, podem ser vistas as duas configurações acima mencionadas, contendo tanto um espaço interno ao redor do fogo, como um externo enquadrado pelas montanhas nevadas. Em ambos os casos é possível perceber a sensação de aconchego e união que esse elemento possibilita.
Além das lareiras e fogo de chão, vale ressaltar que o fogo também pode ser materializado em um equipamento muito familiar para a nossa cultura brasileira, a churrasqueira, que apesar de agregar a vocação culinária, também representa um importante lugar de encontro, como no projeto do Pavilhão Videiras.
Água
Existem alguns aplicativos de celular que reproduzem o som da chuva e são frequentemente ativados em momentos nos quais é necessário se tranquilizar diante de um dia cansativo. Mas, claro, nada substitui o barulho suave dos pingos de uma chuva refrescante caindo no telhado de uma varanda ou em um espelho d’água. Muito se fala sobre as propriedades de regulação climática da água por meio do processo de esfriamento por evaporação, criando um microclima. Entretanto, a água pode assumir um importante papel não apenas no bem-estar físico, em relação ao conforto térmico, mas também um bem-estar mental principalmente pela questão sonora, trazendo a sensação de calmaria e aconchego.
Ao abordar o elemento água nos projetos é impossível não trazer como exemplo a obra do mexicano Luís Barragán, principalmente a Quadra San Cristóbal, Casa Barragán e seu último projeto em vida, a Casa Gilardi com a piscina interna que reflete as cores vibrantes das paredes adjacentes.
Entretanto, outra arquiteta - também internacionalmente reconhecida - procura trazer a água para os seus projetos. Saímos novamente do escopo residencial para incluir o Teatro Oficina com seu espelho d’água que se torna uma espécie de cascata e o SESC Pompéia, sobre o qual Lina Bo Bardi comentou certa que vez apenas acrescentou à edificação existente um pouco de água e um pouco de fogo.
Além dos clássicos, podemos considerar também outros exemplos como a Casa Maria & José, a Casa 6M ou a Casa de la Loma.
Terra
Sentir a textura fresca da terra levemente úmida enquanto se caminha descalço pelo jardim é um privilégio nos dias de hoje. Quando se pensa em elemento terra na arquitetura e design de interiores, a primeira imagem que vem em mente é, portanto, os verdejantes jardins – internos ou externos –, grandes terraços repletos de plantas ou a inserção em uma paisagem natural praticamente intacta. Entretanto, apesar dos jardins, pátios e terraços serem um bom exemplo da aplicação desse elemento nos espaços internos, como na Casa Entre Árvores no Equador ou na Casa Villa Lobos no Brasil, poderíamos considerar a aplicação da terra também nos materiais.
Blocos de adobe, tijolos de cerâmica, peças e argila são materiais naturais que nos convencem da veracidade da matéria, expressam idade, história, marcas, carregando um desgaste que leva a enriquecedora experiência do tempo aos materiais de construção. Além disso, eles trazem textura e aconchego auxiliando na construção desse refúgio como nos projetos da Casa de Veraneio Shikor, a Casa VH ou a Residência Ngamwongwan.
Ar
Respirar fundo sentindo o ar entrando lentamente nos pulmões em uma brisa fresca no final de um quente é uma sensação única. Por fim, em relação a este último elemento, quando se trata de edificações, ele é o mais vital entre todos os outros, principalmente, por sua relação com a salubridade dos espaços internos regulando a temperatura, a umidade e reciclando o ar das possíveis impurezas e enfermidades. Porém, além desse papel, analisando sob uma ótica sensorial, uma boa circulação dos ventos pode remeter a ideia de leveza e suspensão, esfumaçando o contato entre o ambiente interno e o externo, simbolizando também a renovação.
São muitas as formas de fomentar a circulação do ar dentro dos ambientes, sendo elas totalmente relacionadas com a forma arquitetônica. Por meio de aberturas posicionadas em lados opostos, por exemplo, podemos incentivar a entrada cruzada dos ventos como na Casa FVB ou na Casa Cavalcante. É possível induzir a entrada de ar e, consequentemente, o deleite que se tem ao sentir a brisa fresca também por meio de elementos vazados como as treliças de madeira da Casa Pier e do Recanto do Colecionador ou os feitos em cerâmica como na Casa Viewing Back e concreto como na Casa das 18 Paredes Vazadas.
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